Ser pobre

Sou pobre quando não uso o Spotify Premium.

Sou pobre quando não subscrevo Netflix, Amazon Prime Video, HBO, Hulu e outros que tais.

Sou pobre quando uso os soutiens praticamente até se rasgarem.

Sou pobre quando uso as mesmas sapatilhas de verão há para aí cinco anos.

Sou pobre quando, mesmo na altura em que as calças de ganga se rompem entrepernas, peço à minha mãe para as coser e reforçar.

Sou pobre quando, mesmo tendo emagrecido uns quilogramas, peço à minha mãe para fazer umas pinças no cós das calças para as poder ir usando.

Sou pobre quando me oferecem roupa, mesmo sendo a minha mãe a oferecê-la.

Sou pobre quando não uso as bicicletas Gira.

Sou pobre quando não uso nenhuma trotinete elétrica.

Sou pobre quando vivo num apartamento arrendado.

Sou pobre quando vivo num rés-do-chão.

Sou pobre quando tenho um apoio estatal para conseguir pagar a renda do apartamento.

Sou pobre quando encontro confronto num Big Mac.

Sou pobre quando não tenho, nem nunca tive, uma casa de férias.

Sou pobre quando não tenho filhos, já que parece ser a maior riqueza para tanta gente.

Sou pobre quando sou bolseira e dependo do estado para me sustentar.

Sou pobre quando o meu aspirador foi comprado no Lidl.

Sou pobre quando a minha mesa de sala foi comprada no Lidl.

Até sou pobre quando tenho um carro cuja marca começou por ser vendida por ser low cost.

Sou pobre quando frequento um ginásio que se vende como sendo premium low cost.

Sou pobre quando uso batom hidratante de uma marca do Lidl.

Sou pobre quando uso protetor solar de uma marca do Lidl.

Sou pobre quando depilo as pernas em casa e não no instituto de beleza.

Sou pobre quando arranjo as sobrancelhas em casa e não no instituto de beleza.

Sou pobre quando uso champô e máscara para o cabelo comprados no supermercado.

Sou pobre quando só não faço a minha própria manicure e pedicure quando o evento é muito especial.

Sou pobre quando almoço na cantina e, em vez de comprar o tabuleiro completo, compro apenas o prato e levo fruta de casa para a sobremesa.

Sou pobre quando só vou ao cinema quando o rei faz anos e sempre com grande esperança de que o filme valha a pena.

Sou pobre quando nem me lembro da última vez que fui assistir a uma peça de teatro.

Ainda não passei fome nem dormi na rua, não pedi à porta de nenhum estabelecimento nem tive de andar descalça, mas vivo revoltada com a minha pobreza, porque, por muita riqueza que tenha, é na minha pobreza que penso sempre primeiro.

E sim, são problemas de primeiro mundo. Mas são os meus problemas.